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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Sétima Turma do TST mantém reconhecimento de vínculo entre pastor e Igreja Universal

RR-19800-83.2008.5.01.0065

TRABALHO RELIGIOSO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA IGREJA - RELAÇÃO DE EMPREGO CARACTERIZADA - AFASTAMENTO DA CONDIÇÃO DE PASTOR - SUBORDINAÇÃO, EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE METAS E SALÁRIO - LIVRE CONVENCIMENTO DO JUÍZO - ART. 131 DO CPC - REEXAME DE FATOS E PROVAS VEDADO PELA SÚMULA 126 DO TST.
1. A Lei 9.608/98 contemplou o denominado -trabalho voluntário-, entre os quais pode ser enquadrado o trabalho religioso, que é prestado sem a busca de remuneração, em função de uma dedicação abnegada em prol de uma comunidade, que muitas vezes nem sequer teria condições de retribuir economicamente esse serviço, precisamente pelas finalidades não lucrativas que possui.
2. No entanto, na hipótese, o Regional, após a análise dos depoimentos pessoais, do preposto e das testemunhas obreiras e patronais, manteve o reconhecimento de vínculo empregatício entre o Autor e a Igreja Universal do Reino de Deus, pois concluiu que o Obreiro não era simplesmente um pastor, encarregado de pregar, mas um prestador de serviços à igreja, com subordinação e metas de arrecadação de donativos a serem cumpridas, mediante pagamento de salário.
3. Assim, verifica-se que a Corte -a quo- apreciou livremente a prova inserta nos autos, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, e indicou os motivos que lhe formaram o convencimento, na forma preconizada no art. 131 do CPC.
4. Nesses termos, tendo a decisão regional sido proferida em harmonia com as provas produzidas, tanto pelo Autor, quanto pela Reclamada, decidir em sentido contrário implicaria o reexame dos fatos e provas, providência que, no entanto, é inadmissível nesta Instância Extraordinária, a teor da Súmula 126 do TST.
Recurso de revista não conhecido.


A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento, por unanimidade, ao recurso da Igreja Universal do Reino de Deus, que buscava anular decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) que reconheceu o vínculo de emprego a um ex-pastor. Na mesma decisão ficou mantida a condenação da igreja ao pagamento de R$ 19 mil por danos morais ao pastor, demitido sob a acusação de roubo.

Na inicial da reclamação trabalhista, o pastor narra que foi admitido em 1999 na função de administrador da igreja, com remuneração de aproximadamente R$ 2,4 mil, e cumpria jornada de segunda a domingo das 6h30 às 21h, com apenas uma hora de intervalo. Descreve que em 2007 teve o seu salário reduzido em R$ 1,2 mil, com a justificativa de repor perdas causadas pelo não cumprimento das metas de arrecadação estabelecidas pela igreja.

Ainda em 2007, foi acusado pelos superiores de ter se apropriado indevidamente de parte de uma doação de R$ 23 mil reais. Na inicial, o pastor acusou a igreja de tornar o fato público. Por conta disso, foi enviado para outra filial, onde passou a trabalhar como servente. Na nova função, era motivo de comentários, pois "todos sabiam que tal fato se deu em razão da acusação injusta de que tivesse se apropriado de dinheiro das doações", acrescentou. Sobre acusação, afirmou que não havia ficado com o dinheiro da doação, e sim lançado o valor na contabilidade em duas parcelas, seguindo a orientação recebida pelo pastor regional no sentido de que doações elevadas não deveriam ser lançadas de uma só vez, pois isso prejudicaria a meta mensal.

Após um mês na nova função, foi informado de sua dispensa e de que deveria deixar a casa onde residia com a família, "sob pena de se arrepender de permanecer no imóvel", pois sofria ameaças de seus antigos superiores, relatou. Ingressou com reclamação trabalhista pedindo o reconhecimento do vínculo, o dano moral e o pagamento de verbas trabalhistas, alegando a injustiça em sua despedida após oito anos e meio de dedicação à igreja.

Em sua contestação, a Universal alegou que jamais manteve relação de trabalho com o pastor evangélico. Descreve que ele chegou à igreja por livre e espontânea vontade e, após participar de um processo de evangelização, resolveu tornar-se pastor. Segundo a defesa, durante os oito anos o pastor atuou como "colaborador autônomo para os fiéis" sem nunca prestar serviços na condição de empregado ou receber salários, apenas "subsídio pastoral", ou seja, uma ajuda de custo para ele e sua família. A defesa alegou ainda a ausência de subordinação, pessoalidade e controle de horário. Negou também o dano moral, afirmando que o pastor não havia feito prova do alegado.

A 65ª vara do trabalho do Rio de Janeiro (RJ), na sentença, observou que, segundo as provas testemunhais colhidas, inclusive do preposto da igreja, o pastor exercia a função de administrador da igreja, na qual tinha que cumprir tarefas e obedecer a orientações da igreja, "inclusive de arrecadação das doações, cumprindo metas, por todo o dia, com exclusividade". Ficou comprovado ainda que ele teria sido dado como "ladrão" publicamente entre os integrantes da igreja.

Dessa forma, a igreja foi condenada a proceder à anotação na CTPS do pastor do vínculo de emprego ficando os valores das verbas decorrentes a serem calculadas em liquidação de sentença. Foi fixado ainda o valor de R$ 19 mil pelo dano moral.

A Universal recorreu buscando a reforma da sentença. Segundo o TRT-RJ, ficou comprovada a subordinação do pastor à igreja, com recebimento de salário, bem como a imposição do cumprimento de metas. Da mesma forma, considerou correta a decisão quanto à condenação aos danos morais. Da decisão a igreja recorreu ao TST.

No TST, o acórdão teve relatoria do ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, que chamou a atenção para o fato de a jurisprudência do TST não reconhecer o vínculo de emprego a religiosos. Lembrou que a Lei 9.608/98 acabou regulamentando o serviço voluntário como aquele prestado sem a busca de remuneração, em função de uma dedicação em prol da comunidade. Salientou ainda o fato de o artigo 22, parágrafo 13, da Lei 8.212/91 não considerar, em face do caráter religioso, como remuneração direta ou indireta os valores pagos por entidades religiosas e instituições de ensino vocacional para subsistência de ministros de confissão religiosa, de congregação ou de ordem religiosa.

Porém, no caso, o relator chamou a atenção para o fato de que se permitia verificar a subordinação do pastor em relação à igreja com a exigência cumprimento de metas de arrecadação de doações cujos valores eram sempre majorados no mês seguinte, além das tarefas de administração da igreja e arrecadação de pessoas e doações nas ruas. Quanto ao dano moral, considerou razoável o valor fixado pelo Regional .

Seguindo estes fundamentos, a Turma considerou, por unanimidade, a decisão regional correta, em face das provas produzidas, observando que decidir em sentido contrário exigiria o reexame de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST

Fonte: TST


No que concerne ao trabalho religioso, é sempre questão polêmica o reconhecimento de vínculo empregatício. Percebe-se que a doutrina e a jurisprudência têm negado o vínculo de emprego entre o religioso e a igreja que representa, ainda que comprovada a onerosidade da relação contratual. Nesse sentido,

RELAÇÃO DE EMPREGO. SERVIÇO RELIGIOSO. PASTOR EVANGÉLICO.
"O direito não foi feito para heróis nem para os santos, mas para os homens medíocres que somos" (J. Carbinnier. Théorie des obligations. PUF. Paris, 1969, n. 86, p. 55). O trabalho de cunho religioso não constitui objeto de um contrato de emprego, pois, sendo destinado à assistência espiritual e à divulgação da fé, não é avaliável economicamente. Ademais, nos serviços religiosos prestados ao ente eclesiástico, não há interesses distintos ou opostos, capazes de configurar o contrato; as pessoas que os executam, fazem-no como membros da mesma comunidade, dando um testemunho de generosidade, em nome de sua crença. Tampouco pode-se falar em obrigação das partes, pois, do ponto de vista técnico, aquela é um vínculo que nos compele a dar, fazer ou não fazer alguma coisa em proveito de outrem. Esse constrangimento não existe no tocante aos deveres da religião, aos quais as pessoas aderem espontaneamente, imbuídas do espírito de fé. Em consequência, quando o religioso (frei, padre, irmã, freira, pastor, diácono, pregador ou missionário) atua por espírito de seita ou voto, exerce profissão evangélica a serviço da comunidade religiosa a que pertence, estando excluído do ordenamento jurídico-trabalhista, ou seja, não é empregado. Suas atividades transcendem os limites contratuais. TRT/MG - Proc.: 00190.2004.108.03.00.0 - Rel. Designado: Juíza Alice Monteiro de Barros. DJ/MG 30/06/2004.

Os argumentos da doutrina (Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão, Segadas Vianna e Valentin Carrion) para a exclusão dos trabalhadores religiosos da legislação trabalhista são no sentido de que os serviços executados com intenção piedosa não tem proteção trabalhista. Além disso, como sacerdote, em relação à igreja, não é apenas um membro, mas órgão, é "intermediário entre o sagrado e o profano".

No entanto, há posicionamento, ainda que minoritário, em sentido contrário:
VÍNCULO DE EMPREGO. PASTOR.
O fato de um trabalhador aceitar o cargo de pastor e ter exercido esse mister por crença religiosa e ideologia não afasta o vínculo de emprego, pois a lei não excepciona esta hipótese. Ac. (maioria) RO 00068-2004-036-01-00-5, TRT 1ª Reg. 8ª Turma. Rel. juíza Vólia Bomfim Cassar, sessão de 25/05/05.

Nesse sentido, o liame empregatício se forma em qualquer caso em que estejam presentes os requisitos necessários para a formação do vínculo de emprego, salvo lei em sentido contrário.
"Assim, se o padre, o pastor, o sacerdote, o mestre ou o pai de santo, receber paga mensal, for subordinado, não correr os riscos da atividade, nela se inserir e exercer suas atividades com pessoalidade e de forma habitual, será empregado da igreja, da congregação religiosa ou do centro espírita." (CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5 ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 278). Para a magistrada, ao não se reconhecer o vínculo empregatício, caracteriza uma discriminação da pessoa do trabalhador em relação ao tipo de serviço que exerce.

Não obstante a discussão acerca do vínculo de emprego entre o pastor e a igreja evangélica, cumpre destacar que o mesmo não ocorre em relação ao padre e a Igreja Católica. Isso porque o art. 16 do Decreto nº. 7.107/10 promulgou o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, dispõe que:
Art. 16. Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de suas instituições:
I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica.

Assim, como a própria lei criou a exceção, não há que se falar em vínculo de emprego entre padre e Igreja Católica.

Marina Quaglio

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